A artista Nair de Carvalho e Graça Bueno, diretora da galeria, são as curadoras e as anfitriãs da exposição em homenagem ao artista moderno baiano Genaro de Carvalho (Salvador, Bahia, 1926-1971) e à sua exuberância tropical criativa. A galeria celebra, agora em 2022, dez anos desde a primeira participação de obras de Genaro na marcante exposição coletiva "Artistas da Tapeçaria Moderna" realizada em 2012 em resgate à esta produção genuinamente brasileira.
Convidamos Renato Menezes, historiador de arte, para colaborar com sua visão crítica e poética sobre o trabalho do artista Genaro e das obras selecionadas para esta exposição, que ele a intitulou e escreveu o texto: "Genaro e a luz da Bahia".
A mostra apresenta uma importante seleção de trinta e seis obras datadas de 1950 a 1971, sendo quatorze tapeçarias, quinze pinturas dentre cartões modelo, e sete desenhos, na sua maioria com uma diversidade de cores vibrantes, com variação de técnicas e temas da fauna e da flora brasileira, além de fotos, vídeos e raros documentos históricos.
Estão expostos no piso térreo e principal da galeria, desde desenhos iconográficos da França e abstratos a partir de 1950 à quadros e cartões modelo inspirados na natureza, como flores, morros, jardins da varanda, florestas e vegetação seca, às duas pinturas sensuais delicadas de nu feminino, da polêmica série "Mulatas", uma pintura com dois pássaros em voo e a outra envolta com ouropéis girassóis e plantas criadas entre 1968 e 1971. Dentre a coleção de tapeçarias planas bordadas, estão em destaque uma de suas primeiras edições intitulada "O Gato Branco na Floresta" de 1956, a do pássaro solitário, da borboleta com sol de verão, a do girassol gigante, a da germinação de plantas, as duas de "coivaras", sendo uma delas de tamanho monumental (3,06 x 2,47h cm), a do casario com palmeiras e árvores, a da fruta seccionada do cacau, as duas obras raras em relevo tecidas no tear e bordadas com fios soltos intituladas "Criação Abstrata" e "Verão Pelo Avesso" que participaram em 1966 da I Bienal Nacional de Artes Plásticas do MAM-BA e a tecida no tear NC com o nome de "Mariposa Branca" com plantas e elementos geometrizados contornados em preto que participou do 1º Panorama de Arte Atual Brasileira no MAM-SP em 1969. Muitas das obras apresentadas estão publicadas em livros, catálogos de exposições e na imprensa de época.
Inicialmente a pintura de Genaro era expressionista e figurativa, em 1944 já foi considerado como um dos expoentes da primeira geração de artistas modernos da Bahia, juntamente com Carlos Bastos e Mário Cravo Júnior. A vivência artística de Genaro na França entre 1949 e 1950, onde participou de vários Salões de Arte, foi influenciada pelos mestres franceses, mas a sua obra plástica é fruto da sua forte inspiração pela tropicalidade regional da Bahia, assim como ele dizia: "Eu não sou senão um homem da Bahia e um artista da Bahia. E não desejo ser senão isto".
Logo após a sua volta da França Genaro se projetou como um grande muralista em pinturas livres e temáticas como a do mural "Festas Regionais da Bahia" para o antigo Hotel da Bahia executado entre 1950 e 1952. Em 1951 participa com pintura com o tema de Circo da I Bienal Internacional de São Paulo. Em 1952 organiza seu ateliê de tapeçaria em Salvador paralelamente às suas exposições individuais e coletivas de pinturas.
Em 1953 executa suas primeiras obras em tapeçaria com o tema de plantas tropicais. Inicia suas exposições de arte com tapeçaria somente em 1955, ano em que conheceu, em um desfile de moda no Copacabana Palace Hotel no Rio de Janeiro, a então modelo Nair que ela declarou: "Deste encontro nasceu também um projeto de vida, de amor, de cumplicidade, de arte. Víamos a quatro olhos. Descobríamos a quatro mãos. Genaro, o mestre, o mago, de quem eu sabia e queria ser a inspiração". Após uma persuasiva conquista repleta de romantismo artístico, o que gerou o livro "Amor em Cartas" editado em 2013, Nair aceitou o pedido de Genaro em casamento. Nair que já havia em 1956 sugerido e introduzido o "ponto alinhavinho", no contorno dos elementos na tapeçaria bordada de Genaro, que ele o apelidou de "milagre da musa", assumiu em 1957 a administração da elaboração das obras bordadas e tecidas no tear do ateliê de tapeçaria de Genaro e colaborava também em várias tarefas práticas comerciais.
Genaro que declarou em 1961 que queria "ser um pássaro se não fosse um tapeceiro" era "antes de tudo um pintor", "autor de um desenho e de uma pintura de inegável estilo individual" em citações do crítico Clarival Prado Valladares, e considerado por Jorge Amado um "tapeceiro pintor poeta". A poesia era indispensável no cotidiano de Genaro que só criava alegre e afirmava fazer "uma arte de amor" e uma "pintura com o pano" que ele o escolheu e o defendia como matéria física da sua expressão artística, independentemente se a técnica de sua tapeçaria fosse bordada ou tecida manualmente, eram criações assinadas por ele que ele fazia "questão de tocar em todas".
Considerado o fundador da tapeçaria mural moderna brasileira pelo célebre artista tapeceiro francês Jean Lurçat (1892-1966) e em 1955 pela Enciclopédia Delta Larousse, Genaro, já aclamado internacionalmente, foi o primeiro artista brasileiro convidado para participar em 1965 da importante Bienal Internacional de Tapeçaria em Lausanne na Suíça, organizada entre os anos de 1962 à 1995 pelo CITAM (Centro Internacional da Tapeçaria Antiga e Moderna) que é abrigado hoje pela Fundação Toms Pauli.
Em 1961 a revista Cruzeiro afirmou: "O tapeceiro baiano Genaro de Carvalho tem fama de ser o artista mais organizado do Brasil", para provar isto Genaro aceitou o desafio desta revista reunindo, 65 trabalhadoras de sua centena de bordadeiras de Salvador e de várias outras províncias e inclusive da Ilha de Itaparica, chamadas ao encontro até por telegrama e pelo rádio, na concha acústica do Teatro Castro Alves para uma foto histórica. Genaro carinhosamente as chamava de suas "namoradas" sendo a sua favorita a Nair "sua esposa e alma de sua organização". O aspecto social era muito favorável ao artista, ao organizar este grupo que já tinha um saber artesanal de trabalhos populares herdado de suas famílias, as ensinando e as educando até formá-las em hábeis artesãs de tapeçaria bordada e tecida em teares manuais adaptados e criados para concepções únicas baianas. Em conexão e em respeito aos trabalhos populares Genaro dizia: "Neste ponto sou um artista absolutamente "pop".
Genaro também foi querido e famoso como o artista "pop star" da tapeçaria, tendo colaborado para eventos importantes da vida cultural brasileira, tanto na literatura como em produções cinematográficas, além de ter participado de exposições nacionais e internacionais, alcançando igualmente sucesso de vendas e de reconhecimento no Brasil e no exterior. Recebia em seu ateliê clientes importantes como David Rockfeller, da família dos fundadores do museu MOMA de Nova Iorque, concebia pedidos especiais de tapeçarias monumentais para espaços públicos, sua obra foi escolhida para representar o Brasil em diversas ocasiões e para presentear personalidades estrangeiras como o presidente francês Charles de Gaulle.
Em sua tapeçaria existe "esse mundo mágico das coisas baianas. Parece que uma espécie de saga da Bahia, das curvas calmas e generosas, nos grandes pássaros em céus coloridos e solares, nos ritmos amplos de flores e folhas e nesse outro lado agreste e primitivo, retilíneo, seco e árido de sua série sertaneja ... do sertão ressecado. Porque ela transcende o documentário e o decorativo, para transfigurá-los, numa integração artística profunda", em declaração de Maria Eugenia Franco no catálogo da exposição GENARO na Petite Galerie em 1967 no Rio de Janeiro.
Genaro apesar de ter tido uma saúde frágil e uma morte tragicamente precoce no auge de sua carreira aos 44 anos em 1971, ele conseguiu realizar uma trajetória profissional artística consistente tendo participado de por volta de 70 mostras, dentre as mais significativas estão as dos Museus de Arte Moderna, da Bahia, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de São Paulo entre 1957 a 1971, assim como de renomadas galerias de arte, bienais e de mostras itinerantes internacionais. Em 1974 ele foi homenageado na relevante coletiva da 1ª Mostra de Tapeçaria Brasileira realizada no MAB FAAP.
As primeiras mostras "retrospectivas" sobre Genaro após a sua morte, foram apresentadas em Salvador em 1991 com a do MAM-BA e em 2010 com a do MAB, esta que foi organizada por Nair de Carvalho com a curadoria de Alejandra Munõz que curou também com excelência a exposição coletiva em 2012 na galeria. Estes resgastes históricos sobre Genaro colaboraram para a sua visibilidade atual. A retomada triunfal de Genaro está ativa em exposições coletivas contemporâneas como, em 2019: na "A Cidade da Bahia, das baianas e dos baianos também" no Museu Afro Brasil, e na abertura do novo museu Cidade da Música da Bahia, que é ambientado permanentemente, no segundo andar, com o trabalho deslumbrante que Gringo Cardia, um dos curadores do museu, criou com recortes dos elementos das obras de Genaro realizando uma homenagem ao tropicalismo musical e artístico.
Em 2022 com a revisão conceitual dos valores modernos artísticos genuinamente brasileiros, conjuntamente com a reflexão sobre a celebração do centenário da semana de arte moderna de 1922, muitas exposições, em museus e centros culturais, incluíram com representatividade e importância a obra de Genaro, como nas coletivas com excelente curadoria: "Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil" no SESC 24 de Maio, "22&22&22" no Farol Santander, "Modernismo expandido" no Museu Nacional da República, "Modernos - Antes de 1922 - Depois de 1922" no MAB FAAP, "UTOPIAS e DISTOPIAS" no MAM-BA.
Desde 2012 a nossa galeria, com seu cuidadoso expertise e curadoria, vem divulgando a obra de Genaro e reconquistando o interesse por parte de colecionadores, curadores, instituições nacionais e inclusive internacionais, como por exemplo com a colaboração atual do empréstimo de obras do artista do nosso acervo para a exposição coletiva: "Black Orpheus: Jacob Lawrence & The Mbari Club", que se apresentará nos três museus: Chrysler Museum of Art, New Orleans Museum of Art e Toledo Museum of Art em três cidades nos Estados Unidos entre 2022 e 2023.
Nosso saudoso amigo Emanoel Araujo, que participou como artista, simultaneamente com Genaro, de várias exposições coletivas, se tornou um grande colecionador e apreciador de sua obra a qual acreditava ter se concretizado na tapeçaria e assim declarou em 2019: "Seu trabalho proporcionou à tapeçaria brasileira um grande momento, e hoje sua obra volta a merecer do público e da crítica o justo reconhecimento ao seu grande talento e à sua extensa obra de grande originalidade, genuinamente nossa e do nosso pertencimento".
A sensibilidade artística e estética de Genaro, no início e ao longo de sua carreira, abrangeram outros setores, como o da decoração e o do design, de móveis e de tecidos para a moda. Os seus elementos naturais e imaginários de identidade tropical ainda hoje geram muita inspiração, como na cenografia atual realizada por Gringo Cardia, com a aprovação de Nair de Carvalho, para a turnê musical da famosa cantora Paula Toller.
Estamos felizes em realizar esta exposição e agradecemos o apoio amoroso primordial da nossa musa, Nair de Carvalho, que com sua generosidade compartilha a sua experiência e conhecimento através da publicação do livro GENARO de sua autoria, editado pela ALBA em 2019, nos honrando com o seu lançamento em São Paulo na nossa galeria, com venda beneficente em prol do Instituto Jô Clemente. Esperamos que a nossa paixão entusiasme e ilumine os visitantes com a luz da Bahia, e que os desejos de Genaro sejam realizados: "Se puder contribuir com um pouco de alegria e otimismo a missão que me propus estará cumprida".